INTRODUÇÃO
O texto de Lucas 24:13
inicia a seção conhecida como “os discípulos no caminho
de Emaús”. Ali, Lucas apresenta Jesus se revelando de maneira velada a dois
discípulos desconhecidos após sua morte e, não sabida para eles até o momento,
ressurreição.
Os dois homens andando de Jerusalém para Emaús eram
discípulos que se encontravam desanimados. Sua esperança de que Jesus
libertaria Israel (Lc 24:21) fora frustrada. É possível ter a impressão de que
esses homens estavam desanimados e decepcionados porque Deus não havia feito o
que esperavam (WIERSBE, 2006).
É interessante notar que para ajudá-los,
Cristo estabelece um diálogo perguntando sobre as últimas ocorrências. Eles
respondem sobre sua tristeza pelos últimos acontecimentos, referindo-se
especificamente ao desapontamento que tiveram sobre um varão profeta, como diz
Lucas 24:19 a 21
Ele lhes perguntou: Quais? E
explicaram: O que aconteceu a Jesus, o Nazareno, que era varão profeta,
poderoso em obras e palavras, diante de Deus e de todo o povo, e como os
principais sacerdotes e as nossas autoridades o entregaram para ser condenado à
morte e o crucificaram. Ora, nós esperávamos que fosse ele quem havia de
redimir a Israel; mas, depois de tudo isto, é já este o terceiro dia desde que
tais coisas sucederam.
Através deste verso, é notável que estes dois discípulos refletissem o tempo em que viviam na qual a maioria dos judeus daquela época interpretavam o Messias de uma forma particular para aquele momento da história. A nação de Israel desejava a liberdade. Enquanto Jesus estava com eles, o povo judeu estava sobre o jugo do império romano. Um messias descendente do Rei Davi, que iria reconstruir a nação de Israel e restaurar o reino, seria de fato muito atrativo para aquele momento. Somando o retorno do cativeiro aliado aos eventos históricos, desenvolveu-se no povo judeu uma esperança na reconstrução da nação judaica e do governo de um rei selecionado pelo próprio Deus que submeteria todos os povos à legislação da Torá, uma esperança na “era messiânica” (PINHEIRO, 1975, p. 108).
Outro
aspecto que influenciava em muito foi a confusa compreensão dos judeus em
relação ao Messias, era, a quantidade de visões diferentes
As expectativas dos judeus em relação
ao Messias, no tempo de Jesus, eram também muito nuançadas e, em certa medida,
divergentes. Na verdade, temos várias indicações nas fontes existentes de que
havia mais de um modelo de messias na relação de expectativas dos judeus. Eram
vários os tipos de messias imaginados (SKARSAUNE, 2004, p. 314).
Será
que houve alguma diferença entre o que eles esperavam e o que realmente o Jesus
Nazareno tinha a oferecer? Percebemos no novo testamento que o foco de Jesus
era espiritual, enquanto o foco dos principais era a restauração temporal e
secular de Israel. A expectativa de Israel neste período de subjugação era a
expectativa messiânica
O orgulho
nacional manifestava-se ainda na esperança messiânica, talvez a mais
característica e marcante da concepção religiosa hebraica. O messias surgiria
para levar Israel a posição que, por direito, lhe cabia e para instaurar um
reinado de paz e de prosperidade sobre a face da terra (PINHEIRO, 1975, p.70).
A
escritora Ellen White comentando sobre este tópico ressalta que os líderes e
principais compreendiam erroneamente as profecias messiânicas aplicando
aspectos da restauração do reino à primeira vinda
Os dirigentes de Israel afirmavam compreender as profecias, mas haviam
aceitado falsas ideias acerca da maneira da vinda de Cristo. Satanás os
enganara; e todas as glórias do segundo advento de Cristo eram por eles
aplicadas ao Seu primeiro aparecimento. Todos os maravilhosos acontecimentos
agrupados
em volta de Sua segunda vinda eram por
eles aguardados em Sua primeira vinda. Por isso, quando Ele veio, não estavam
preparados para recebê-Lo (WHITE, 1992,
p. 374).
É
possível pensarmos que na conversa que os discípulos de Emaús tiveram, Jesus
tenha discorrido também sobre sua própria missão de Cristo, o Ungido, como é
apresentado em Lucas 24:25 a 27
Então, lhes
disse Jesus: Ó néscios e tardos de coração para crer tudo o que os profetas
disseram! Porventura, não convinha que o Cristo padecesse e entrasse na sua
glória? E começando por Moisés, discorrendo por todos os Profetas, expunha-lhes
o que a seu respeito constava em todas as Escrituras.
Sobre o que significa “expor
o que consta a seu respeito”, é possível que Jesus possa ter começado com
Gênesis 3:15, a primeira promessa do Redentor, seguindo o caminho percorrido
por essa promessa ao longo de todas as Escrituras. É suposto que tenha gastado
algum tempo falando de Gênesis 22, quando Abraão colocou o filho único e tão
amado sobre o altar. Talvez, tenha falado da Páscoa, dos sacrifícios levíticos,
das cerimônias no tabernáculo, do dia da expiação, da serpente no deserto, do
Servo Sofredor em Isaías 53 e das mensagens proféticas de Salmos 22 e 69
(WIERSBE, 2006).
O verso 44 deste mesmo
capítulo de Lucas nos dá um vislumbre de que provavelmente Jesus se referiu a
“tudo que estava escrito sobre Ele e precisava se cumprir”, o que nos faz
pensar sobre a visão messiânica apresentada na “lei de Moisés, nos Profetas e
nos Salmos” (HENRY, 1939).
O presente artigo buscará
compreender qual seria a visão
messiânica que influenciou a vida destes dois discípulos. Como ela se
construiu? Para este fim, será analisada as visões acerca do
messias prometido de Israel que permeavam o período próximo a Cristo, com isto,
é o alvo entender o contexto das expectativas messiânicas que norteavam a
compreensão dos discípulos no caminho de Emaús visando ampliar também a
compreensão da porção bíblica intitulada de Novo Testamento.
Ele seguirá os seguintes tópicos:
O que são profecias Messiânicas; Contexto histórico para a formação da visão
messiânica que os discípulos tinham; Conceitos messiânicos da época de Cristo;
Por fim apresentar a razão e conclusão do porque os discípulos entendiam Cristo
daquela forma.
O QUE SÃO PROFECIAS
MESSIÂNICAS?
Para compreender-se a
decepção dos discípulos de Emaús, é preciso analisar primeiro o que são
profecias messiânicas ou o que é messianismo.
Conforme observa Moltmann
Messianism
is the most profoundly original idea in Judaism”. Messianism is the idea which
Israel gave the world. This is not merely one Old Testament idea among others:
the Old Testament as a whole is the book of a continually growing expectation
(MOLTMANN, 1990, p.2).
A partir desta perspectiva
de que o messianismo é uma uma expectação crescente no Antigo Testamento, Ellen
White ressalta que
A vinda do Salvador foi predita no
Éden. Quando Adão e Eva ouviram pela primeira vez a promessa, aguardavam-lhe o
pronto cumprimento. Saudaram alegremente seu primogênito, na esperança de que
fosse o Libertador. Mas o cumprimento da promessa demorava. Aqueles que
primeiro a receberam, morreram sem o ver. Desde os dias de Enoque, a promessa
foi repetida por meio de patriarcas e profetas, mantendo viva a esperança de
Seu aparecimento, e todavia Ele não vinha. A profecia de Daniel revelou o tempo
de Seu advento, mas nem todos interpretavam corretamente a mensagem (WHITE,
2010, p. 31).
Conforme observa Pinheiro,
os profetas tiveram papel crucial na formação do pensamento messiânico trazendo
mensagens diretamente de Deus para o povo
Os profetas continuaram a fazer ouvir
a sua voz e a anunciar as profecias que, da parte de Yahweh, recebiam. Eles
começaram a predizer a vinda de um rei que descenderia de Davi, que seria o
grande libertador do seu povo (Jeremias 23:5-6), sob cujo domínio haveria paz e
harmonia (Isaías 11), cuja geração seria desde a eternidade (Miquéias 5:2-5) e
que se sentaria sobre o trono de Davi para sempre (Isaias 9:6-7). A este, o
grande libertador, já prometido desde tempos imemoriais e que os hebreus
esperavam e cujos caracteres, progressivamente, iam sendo revelados pela
palavra do seu Deus Yahweh, atribuíam os israelitas, por excelência, o título
de messias que, assim, de ungido, passou a trazer subjacente, o significado e o
valor de libertador (Daniel 9:25,26). Não apenas o libertador do povo israelita
mas o libertador da raça humana caída (PINHEIRO, 1975, p.76).
Esta ideia progressiva do
Messias está relacionada com restauração da nação de Israel, como libertador e
também como pessoa e reino messiânico, a era messiânica e a terra messiânica,
os sinais messiânicos e as pessoas messiânicas na história (MOLTMANN, 1990,
p.2). Estes termos messiânicos aplicam-se a missão do Messias não ao seu ser
Em muitos textos do AT, a ênfase
principal recai sobre as obras do Messias, e não sobre sua pessoa ou sobre seu
ser. O messias completa sua obra messiânica libertando o povo de Deus,
livrando-o de seus inimigos. Os outros títulos do Messias, especialmente Filho
de Deus, também parecem referir-se, sobretudo, à sua obra, e não à essência do
seu ser. Em suma, eles são funcionais e não ontológicos (SKAURSANE, 2004, p.
315).
No
judaísmo, a esperança messiânica estava centralizada em torno de uma pessoa,
embora também girasse em torno de certa condição nacional de Israel, que
cumpriria os seus ideais e sonhos como nação. Portanto, por um lado, a
esperança messiânica girava em torno do Messias, e, por outro lado, girava em
torno de algo que pertencia à nação de Israel, quanto as suas futuras
expectações. A esperança messiânica é a expectação de que haverá uma figura
messiânica, que, finalmente, estabelecerá o seu reino messiânico.
A palavra messias deriva do
hebraico mashia, equivalente ao grego
christos, e significa “ungido”
(PINHEIRO, 1975). Este Cristo, o ungido, é o Messias de Israel (MOLTMANN, 1990).
Este termo é
usada no Antigo Testamento para identificar uma pessoa em relação especial com
Deus. O uso não técnico do termo é simplesmente designar ungido com óleo e com
o Espírito Santo, mas especialmente um que tinha sido separado por Deus e
habilitado para uma tarefa especial.
Este ungido é visto como
Visões messiânicas: messias como
primogênito, como rei, como descendente de Davi, como profeta, como sacerdote,
como renovo, como servo de Yahweh, como idêntico a Yahweh, como descendente da
mulher e filho do homem (PINHEIRO, 1975, p.81 a 102).
A
esperança messiânica é a expectação de que haverá uma figura messiânica, que,
finalmente, estabelecerá o seu reino messiânico. O Antigo Testamento e as obras
pseudepígrafas encerram em seu bojo essa antecipação. Ver Isaias 7:14 e Daniel
7, bem como a mensagem geral sobre os reinos deste mundo, de Daniel 9:24,
Muitos dos salmos também são considerados messiânicos (Salmos 2 e 110). A
teologia dos hebreus, após o exílio, aguardava a futura renovação de um imenso
e exaltado reino de Israel, que haveria de emergir no reino de Deus, embora
essa esperança não estivesse ligada claramente, com a figura messiânica. O
trecho de Isaías 9:6 é uma das mais claras passagens vetero-testamentárias
desse tipo, incluindo a ideia do Príncipe da paz que haveria de governar
sentado no trono de Davi.
A ligação do termo "Messias", como
aplicado a um rei ungido parece especialmente forte, e foi usado em um sentido
profético da vinda governante Davídico. Ambos segundo Samuel e os Salmos se
referem ao Rei Davi como o "ungido" (mashiach) cujos descendentes
reinarão para sempre (2 Sam . 22:50-51, Sl . 18:50-51). Além disso, o conceito
de um messias universal é visto em textos que dão para a casa de Davi domínio
sobre as nações estrangeiras (2 Sam 22:44-51, Sl 18:44-51, Salmos 2:7-9 ) .
Nos escritos proféticos o conceito messiânico tem
uma referência especial ao prometido governante davídico de Deus que vai
restaurar Israel ao ideal divino (Isaías 09:07, Jeremias 23:5-6, Ezequiel
34:23-24; 37:25; Amós 9:11-12 ). Salmos 2 (vs. 2-6, 7-9) e 89 (vs. 3-4, 20-29)
mostram um rei messias (ou "ungido"), que irá destruir os adversários
gentios de Deus e como Seu representante reinará sobre as nações. O profeta
Isaías pré-exílico também prevê um futuro Messias davídico que ferirá os inimigos
do estado de Israel e fará justiça sobre as nações (Is 11:1-10).
CONTEXTO HISTÓRICO PARA A FORMAÇÃO DA VISÃO MESSIÂNICA
DOS DISCÍPULOS NO PERÍODO INTERTESTAMENTÁRIO
Para
compreender-se a visão dos discípulos de Emaús é necessário analisar o contexto
histórico que antecedeu o período do ministério de Jesus, retrocedendo poucos
séculos para trás.
O
período que antecede o advento do Cristo conforme visão cristã é chamado de
período intertestamentário, ou, período entre os dois testamentos.
A história do Antigo Testamento se encerrou com o cativeiro que a
Assíria impôs ao reino do norte (Israel) por volta do século 8 a.C com
destruição da capital, Samaria, em 722 a.C junto a isto o subsequente cativeiro
babilônico do reino do sul (Judá) por volta do século 6 a.C com destruição de
Jerusalém em 586 a.C. e com o regresso à Palestina de parte dos exilados para
reconstruir a nação, o templo e Jerusalém, nos começos de 537 a.C e no ano de
444 a.C para reconstrução dos muros de Jerusalém sob liderança de Esdras e
Neemias (PACKER, 2003).
Este período chamado de intertestamentário é o tempo que se inicia
com o fim do Antigo Testamento até o momento que se inicia o Novo Testamento com
o advento do Cristo. Em termos temporais, ele vai do século 4 a.C até século 1
d.C. O período entre os dois testamentos é conhecido como os quatro séculos que
não existem registros de revelações proféticas consideradas canônicas, ou, chamada também de “hiato profético” (GUNDRY,
1987) . O último escrito profético do Antigo Testamento é de Malaquias (PACKER,
2003).
Neste
período de tempo, Israel voltava de seu cativeiro e reinicia sua busca de
identidade e reconstrução como nação (BRIGHT, 1980). A questão é que sua busca
de identidade e autonomia acabaram sendo influenciadas por potências militares,
políticas e econômicas da época: os romanos e os gregos. Sendo influenciada
também por insurreições internas em busca de liberdade conhecida por “Revolta
dos Macabeus”.
A
nação vivia sob jugo de exílio, até por volta do período do século quarto a.C.
Deste tempo em diante a nação se acha em conflitos diferentes do que o exílio e
falta de liberdade em si, mas precisa responder perguntas mais difíceis: como
reerguer-se e existir com identidade de “povo de Deus”? Como não cair mais nos
mesmos erros que levaram ao cativeiro? Como conciliar a falta de liberdade
imposta pelos impérios dominantes com a consciência de deveres religiosos? Como
resconstruir uma nação? (BRIGHT, 1978).
Neste
tempo Israel busca alcançar resgatar sua identidade. Neste evento encontramos o
surgimento do judaísmo. Israel via a si mesmo como uma comunidade visível que
adoravam a Deus, participava de seu culto e confiava em suas promessas. A queda
de Jerusalém trouxe um fim a tudo isto. Tendo as formas antigas desaparecido,
Israel precisava encontrar algum elemento na sua herança em torno da qual
reunir-se para sobreviver.
Seguindo
a este momento a figura do messias, que seria a consumação dos desígnios
divinos, se mistura com a figura de um libertador não sendo apresentado como um
redentor manso e humilde (BRIGHT, 1978).
A
busca de identidade acabou formando vários grupos do judaísmo, tais como os
Macabeus, Saduceus, Fariseus, Zelotes e Essênios. Estes grupos não significavam
uma divisão do Judaísmo em grupos apocalípticos, nacionalistas e legalistas,
mas, uma divisão em maneiras de interpretar a lei, divisões dentro da estrutura
da religião comum, porém, sem linhas nítidas e firmes. Não havia, porém, um
consenso com respeito do que deveria ser Israel e qual direção tomaria o seu
futuro.
Dentro do judaísmo, além do
legalismo, havia também o conceito do Messias. Ele refere-se, principalmente, à
profecia da vinda de um humano descendente do Rei David, que iria reconstruir a
nação de Israel e restaurar o reino de David, trazendo desta forma a paz ao
mundo. Ainda que a tradição religiosa judaico-cristã diga que o Messias já era
uma profecia predita desde os tempos dos Patriarcas, este ensino veio a tomar
forma após a destruição de Jerusalém. O retorno do Cativeiro aliado à eventos
históricos como a história dos Macabeus serviu para desenvolver no povo judeu
uma esperança na reconstrução da nação Judaica e do governo de um rei
selecionado por Deus que submeteria todos os povos à legislação da Torá.
Os Macabeus lideraram Israel
da dominação estrangeira. Infelizmente, porém, não demorou para que Roma
pusesse fim à liberdade deles. Os judeus começaram a anelar por uma figura que
renovasse e até mesmo ultrapassasse a glória trazida pelos Macabeus. Por isso o
Messias foi assumindo dimensões cada vez maiores
na
mente da nação. Ele haveria de ser o Filho
de
Davi, inigualavelmente dotado, e que haveria de restaurar a nação de Israel,
levando-a a ser a cabeça de um reino universal. Ele também será o Filho de
Deus, o personagem celeste que traria aos judeus a salvação e seria o mediador
de uma nova mensagem da parte de Deus.
Veio à tona
a
ideia da era áurea. O livro de Jubileus
menciona, especificamente, os mil anos, e I Enoque refere-se a uma
era áurea de trezentos anos. As expectações foram-se intensificando, à medida
que a nação de Israel aproximou-se dos seus cinco mil anos do calendário da criação. As
crenças populares afirmavam que seria então inaugurado o período do milênio.
Esse período seria um tempo de justiça, paz, bênção e grandeza universal. Foi
em meio dessas grandiosas expectações que nasceu Jesus, o Cristo.
Parece
que o retorno a Judá depois do exílio e do restabelecimento da dinastia
davídica quebrado pelo cativeiro babilônico (Zc 4:7-10), foram inicialmente
consideradas não só uma restauração nacional (Ezequiel 36: 24; 37:12), mas como
um prelúdio para o advento messiânico esperado que daria início a restauração
espiritual (Malaquias 4:5-6; cf Ez. 36:25-27; 37:14) . No entanto, apesar dos
esforços dos sacerdotes "ungidos" e profetas, bem como governantes
estrangeiros "ungidos" que ajudaram o retorno e reconstrução (Ciro:
Isaías 44:28-45:13; Esdras 1:1-11), a comunidade pós-exílio veio a perceber que
os ideais proféticos de restauração não tinham sido cumpridas e que restauração
espiritual e o prometido "Ungido" ainda estava no futuro.
Esta esperança messiânica
veio a agravar-se com o Domínio Romano sobre a Judéia no primeiro século. As
diversas ramificações judaicas pacíficas ou revolucionárias pretendiam obter
sua independência do domínio romano e inspirados pelo ideal da independência
acabaram por desenvolver ainda mais a crença no Messias libertador.
O
fracasso da comunidade pós-exílico para experimentar restauração, juntamente
com uma crescente deserção espiritual entre os líderes sacerdotais, exemplificada
por Alexander Jannaeus (103-76 aC), adquirindo o título de rei, além de que de
sumo sacerdote e da imposição de uma helenismo cultural, provocou o desejo
sincero em partidos adversários (como os fariseus e da seita de Qumran) por um
enviado de Deus ("ungido") Rei e Sacerdote para restaurar a ordem
legítima (monarquia davídica e Zadokite sacerdócio).
Estimulados
pelas condições religiosas e políticas opressivas, esta esperança messiânica durante
o período intertestamentário expressou-se no final de Judaísmo do Segundo
Templo através de um desenvolvimento do conceito profético da libertação
messiânica na era escatológica. Literatura apocalíptica- apócrifa e
pseudoepigrafa judaica desse período contêm referências explícitas ao Messias
que vai aparecer no final da época para travar as guerras messiânicas, derrotar
os adversários de Israel, restaurar a nação e sacerdócio, e pronunciar-se sobre
uma escala universal.
Para compreendermos os conceitos
messiânicos que permeavam o período de Cristo e poderiam ter influenciado os
discípulos é imprescindível que não podemos desprezar o NT como fonte importante
do messianismo judaico.
Considerando então o NT como
fonte para tal compreensão, percebe-se que, como frisa Ellen White
O enfraquecido poder de Israel
testemunhava que a vinda do Messias estava às portas. A profecia de Daniel
pintava a glória do Seu reino sobre um domínio que sucederia a todos os
impérios terrestres; e disse o profeta: "subsistirá para sempre". Dan.
2:44. Ao passo que poucos entendiam a natureza da missão de Cristo, era geral a
expectativa de um poderoso príncipe que havia de estabelecer seu reino em
Israel, e que viria como um libertador para as nações (WHITE, 2010, p.34).
Vendo que havia a espera e o
interesse no messias, Skarsaune diz que os judeus preocupavam-se apenas com o
segundo advento messiânico, porque parecia com maior clareza nas profecias e
era tido como mais digno do Messias. Eles ignoravam o primeiro advento proclamado
pelos profetas, por causa da grande obscuridade das profecias, e pelo fato de
ser tão indigno do Messias (FERGUNSON, 2003).
Além de ser um momento de
expectativa messiânica havia uma diversidade de posições
As expectativas dos judeus em relação
ao Messias, no tempo de Jesus, eram também muito nuançadas e, em certa medida,
divergentes. Na verdade, temos várias indicações nas fontes existentes de que
havia mais de um modelo de messias na relação de expectativas dos judeus. Eram
vários os tipos de messias imaginados. Em Qumran, por exemplo, esperava-se um
messias de Israel e um messias de Aarão. Encontramos nas fontes rabínicas
outras duas espécies de messias, provavelmente calcadas em Gênesis 49 e
deuteronômio 33, em que tanto Judá quanto José são chamados de líderes de seus
irmãos. De modo análogo ao duplo reino posterior à época de Salomão, essa ideia
volta com frequência aos textos rabínicos com os dois messias de Davi e Efraim:
o primeiro, vitorioso, o segundo, morrendo no campo de batalha. É difícil saber
ao certo se esse conceito já era bem conhecido nos dias do NT ou se foi
desenvolvido mais tarde – por exemplo durante o século d.C. (SKARSAUNE, 2004,
p. 314).
Existem
várias tradições do messianismo no judaísmo, incluindo escritos rabínicos, os pergaminhos
do Mar Morto e outros textos extra-bíblica e escritos exegéticos bíblicos
internos. Nos escritos rabínicos são cerca de 450 passagens do Antigo
Testamento separadas insinuando o Messias, um número um pouco inflacionados
devido à exegese alegórica que marcou o judaísmo do primeiro século. Nos
pergaminhos de Qumran, há uma diversidade de interpretações messiânicas e na
tradição exegética bíblica interior encontramos referências internas a figuras e
acontecimentos messiânicos. (EUGEN, 2002)
Os
manuscritos de Qumran indicam uma maior diversidade de expectativas messiânicas
do judaísmo em torno da volta da era. Não é encontrado nos textos de Qumran
nenhuma evidência de uma exegese sistemática, uniforme do Antigo Testamento.
Isso não quer dizer que não havia tradições fixas em tudo, ao contrário, indica
a diversidade de abordagens para a expectativa messiânica e cumprimento
escatológico. Isaías 11, por exemplo, é tratado como um texto messiânico, tanto
em Qumran e fora dele Salmos de Salomão, e encontramos nestes pergaminhos
várias referências a figuras messiânicas: (1) o escatológico Sumo Sacerdote, ou
o messias de Aarão, que aparece em destaque; (2) o profeta escatológico; e (3)
o Messias celestial ou "Filho do Homem". Há alguma indicação, por
exemplo, na Regra da Comunidade , que o Messias foi compreendido , mesmo neste
período, como filho de Deus: "Quando Deus gera o Messias entre eles” (IQS
2:11-12). (EUGEN , 2002)
Além das variadas posições,
Ellen White indica que haviam também pessoas que aguardavam o messias segundo a
tradição cristã
Havia entre os judeus ainda algumas
almas firmes, descendentes daquela santa linhagem através da qual fora
conservado o conhecimento de Deus. Estes acalentavam a esperança da promessa
feita aos pais. Fortaleciam a fé repousando na certeza dada por intermédio de
Moisés: "O Senhor vosso Deus vos suscitará um profeta dentre vossos
irmãos, semelhante a mim: a Este ouvireis em tudo que vos disser." Atos
3:22. E novamente liam como o Senhor havia de ungir Alguém "para pregar
boas novas aos mansos", "restaurar os contritos de coração",
"proclamar liberdade aos cativos", e apregoar "o ano aceitável
do Senhor". Isa. 61:1 e 2. Liam como Ele havia de estabelecer "a
justiça sobre a Terra", como as ilhas aguardariam a "Sua
doutrina", (Isa. 42:4) como os gentios andariam à Sua luz, e os reis ao
resplendor que Lhe nascera. Isa. 60:3. As derradeiras palavras de Jacó os
enchiam de esperança: "O cetro não se arredará de Judá, nem o legislador dentre
seus pés, até que venha Siló." Gên. 49:10 (WHITE, 2010, P. 34).
CONCLUSÂO: PORQUE OS
DISCÍPULOS VIAM JESUS DAQUELA FORMA?
A questão então do
desapontamento dos discípulos já pode ser melhor compreendida. A partir dos
raciocínios anteriores, percebe-se que a era messiânica e a restauração de
todas as coisas em Israel era uma linha de pensamento corrente na época do
ministério de Jesus. O ponto é, os discípulos esperavam algo de temporal de
Jesus
O messias será aquele que reinará durante o
que chamamos de era messiânica, não há outra definição possível. Portanto, o
critério básico de avaliação do messias será dado por uma pergunta simples: Ele
trouxa consigo a era messiânica? Toda e qualquer referência ao Messias só faz
sentido no contexto dessa pergunta. O que diz a bíblia sobre a era messiânica?
Eis uma breve descrição feita por um renomado especialista cristão: “A retomada
da independência e do poder, uma era de paz e de prosperidade, de fidelidade a
Deus e à sua lei, de justiça e equidade, de amor fraternal entre os homens e de
retidão e piedade pessoais”. Se pensarmos um pouco nessa frase à luz da
história dos últimos dois mil anos, veremos que são muitos e enormes obstáculos
que se colocam à missão messiânica de Jesus. Se Jesus era o Messias, por que o
mal e o sofrimento continuaram a existir e até mesmo recrudesceram nos muitos
séculos desde a sua morte (SKARSAUNE, 2004, p.312)?
Por este prisma, este mesmo
autor ressalta que, em certo sentido, a primeira vinda de Jesus não foi
messiânica no sentido rigoroso da palavra porque a obra messiânica era definida
com base em profecias que fazem referência a restauração das coisas externas
tais como paz, justiça, restauração.
Desta forma é a segunda vinda, e não a primeira, que devemos
caracterizar como messiânica.
Foi mostrado na introdução
deste artigo que quando Jesus se apresentou aos discípulos ele fez uma
repreensão à decepção deles acerca daquele em quem esperavam ser o restaurador
presente de todas as coisas.
Fica evidente pelo
testemunho do NT e da história que o Reino é entendido como algo ainda futuro,
e que a passagem do Messias pelo sofrimento e pela morte é considerada uma
espécie de preparação necessária para o estabelecimento do reino, coisa que os
discípulos não conseguiam aprender ou assimilar.
Concluindo, assume-se que os
discípulos apenas refletiam sua época em que a nação além da confiança em Deus,
esperava se reestabelecer conforme predições do AT, porém, predições estas que
devem ser aplicadas à consumação das coisas. Foi tudo uma questão de
compreensão certa para o momento errado.
___________________
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