sexta-feira, 30 de maio de 2014

Qual Messias foi citado no caminho de Emaús: uma análise exegética de Lucas 24:19-21.





INTRODUÇÃO

O texto de Lucas 24:13 inicia a seção conhecida como “os discípulos no caminho de Emaús”. Ali, Lucas apresenta Jesus se revelando de maneira velada a dois discípulos desconhecidos após sua morte e, não sabida para eles até o momento, ressurreição.
Os dois homens andando de Jerusalém para Emaús eram discípulos que se encontravam desanimados. Sua esperança de que Jesus libertaria Israel (Lc 24:21) fora frustrada. É possível ter a impressão de que esses homens estavam desanimados e decepcionados porque Deus não havia feito o que esperavam (WIERSBE, 2006).
 É interessante notar que para ajudá-los, Cristo estabelece um diálogo perguntando sobre as últimas ocorrências. Eles respondem sobre sua tristeza pelos últimos acontecimentos, referindo-se especificamente ao desapontamento que tiveram sobre um varão profeta, como diz Lucas 24:19 a 21

Ele lhes perguntou: Quais? E explicaram: O que aconteceu a Jesus, o Nazareno, que era varão profeta, poderoso em obras e palavras, diante de Deus e de todo o povo, e como os principais sacerdotes e as nossas autoridades o entregaram para ser condenado à morte e o crucificaram. Ora, nós esperávamos que fosse ele quem havia de redimir a Israel; mas, depois de tudo isto, é já este o terceiro dia desde que tais coisas sucederam.

Através deste verso, é notável que estes dois discípulos refletissem o tempo em que viviam na qual a maioria dos judeus daquela época interpretavam o Messias de uma forma particular para aquele momento da história.  A nação de Israel desejava a liberdade. Enquanto Jesus estava com eles, o povo judeu estava sobre o jugo do império romano. Um messias descendente do Rei Davi, que iria reconstruir a nação de Israel e restaurar o reino, seria de fato muito atrativo para aquele momento. Somando o retorno do cativeiro aliado aos eventos históricos, desenvolveu-se no povo judeu uma esperança na reconstrução da nação judaica e do governo de um rei selecionado pelo próprio Deus que submeteria todos os povos à legislação da Torá, uma esperança na “era messiânica” (PINHEIRO, 1975, p. 108).
Outro aspecto que influenciava em muito foi a confusa compreensão dos judeus em relação ao Messias, era, a quantidade de visões diferentes

As expectativas dos judeus em relação ao Messias, no tempo de Jesus, eram também muito nuançadas e, em certa medida, divergentes. Na verdade, temos várias indicações nas fontes existentes de que havia mais de um modelo de messias na relação de expectativas dos judeus. Eram vários os tipos de messias imaginados (SKARSAUNE, 2004, p. 314).

Será que houve alguma diferença entre o que eles esperavam e o que realmente o Jesus Nazareno tinha a oferecer? Percebemos no novo testamento que o foco de Jesus era espiritual, enquanto o foco dos principais era a restauração temporal e secular de Israel. A expectativa de Israel neste período de subjugação era a expectativa messiânica

O orgulho nacional manifestava-se ainda na esperança messiânica, talvez a mais característica e marcante da concepção religiosa hebraica. O messias surgiria para levar Israel a posição que, por direito, lhe cabia e para instaurar um reinado de paz e de prosperidade sobre a face da terra (PINHEIRO, 1975, p.70).

A escritora Ellen White comentando sobre este tópico ressalta que os líderes e principais compreendiam erroneamente as profecias messiânicas aplicando aspectos da restauração do reino à primeira vinda

Os dirigentes de Israel afirmavam compreender as profecias, mas haviam aceitado falsas ideias acerca da maneira da vinda de Cristo. Satanás os enganara; e todas as glórias do segundo advento de Cristo eram por eles aplicadas ao Seu primeiro aparecimento. Todos os maravilhosos acontecimentos agrupados em volta de Sua segunda vinda eram por eles aguardados em Sua primeira vinda. Por isso, quando Ele veio, não estavam preparados para recebê-Lo  (WHITE, 1992, p. 374).

É possível pensarmos que na conversa que os discípulos de Emaús tiveram, Jesus tenha discorrido também sobre sua própria missão de Cristo, o Ungido, como é apresentado em Lucas 24:25 a 27

Então, lhes disse Jesus: Ó néscios e tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram! Porventura, não convinha que o Cristo padecesse e entrasse na sua glória? E começando por Moisés, discorrendo por todos os Profetas, expunha-lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras.

Sobre o que significa “expor o que consta a seu respeito”, é possível que Jesus possa ter começado com Gênesis 3:15, a primeira promessa do Redentor, seguindo o caminho percorrido por essa promessa ao longo de todas as Escrituras. É suposto que tenha gastado algum tempo falando de Gênesis 22, quando Abraão colocou o filho único e tão amado sobre o altar. Talvez, tenha falado da Páscoa, dos sacrifícios levíticos, das cerimônias no tabernáculo, do dia da expiação, da serpente no deserto, do Servo Sofredor em Isaías 53 e das mensagens proféticas de Salmos 22 e 69 (WIERSBE, 2006).
O verso 44 deste mesmo capítulo de Lucas nos dá um vislumbre de que provavelmente Jesus se referiu a “tudo que estava escrito sobre Ele e precisava se cumprir”, o que nos faz pensar sobre a visão messiânica apresentada na “lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos” (HENRY, 1939).
O presente artigo buscará compreender qual seria a visão messiânica que influenciou a vida destes dois discípulos. Como ela se construiu? Para este fim, será analisada as visões acerca do messias prometido de Israel que permeavam o período próximo a Cristo, com isto, é o alvo entender o contexto das expectativas messiânicas que norteavam a compreensão dos discípulos no caminho de Emaús visando ampliar também a compreensão da porção bíblica intitulada de Novo Testamento.
Ele seguirá os seguintes tópicos: O que são profecias Messiânicas; Contexto histórico para a formação da visão messiânica que os discípulos tinham; Conceitos messiânicos da época de Cristo; Por fim apresentar a razão e conclusão do porque os discípulos entendiam Cristo daquela forma.

O QUE SÃO PROFECIAS MESSIÂNICAS?

Para compreender-se a decepção dos discípulos de Emaús, é preciso analisar primeiro o que são profecias messiânicas ou o que é messianismo.
Conforme observa Moltmann

Messianism is the most profoundly original idea in Judaism”. Messianism is the idea which Israel gave the world. This is not merely one Old Testament idea among others: the Old Testament as a whole is the book of a continually growing expectation (MOLTMANN, 1990, p.2).

A partir desta perspectiva de que o messianismo é uma uma expectação crescente no Antigo Testamento, Ellen White ressalta que

A vinda do Salvador foi predita no Éden. Quando Adão e Eva ouviram pela primeira vez a promessa, aguardavam-lhe o pronto cumprimento. Saudaram alegremente seu primogênito, na esperança de que fosse o Libertador. Mas o cumprimento da promessa demorava. Aqueles que primeiro a receberam, morreram sem o ver. Desde os dias de Enoque, a promessa foi repetida por meio de patriarcas e profetas, mantendo viva a esperança de Seu aparecimento, e todavia Ele não vinha. A profecia de Daniel revelou o tempo de Seu advento, mas nem todos interpretavam corretamente a mensagem (WHITE, 2010, p. 31).

Conforme observa Pinheiro, os profetas tiveram papel crucial na formação do pensamento messiânico trazendo mensagens diretamente de Deus para o povo

Os profetas continuaram a fazer ouvir a sua voz e a anunciar as profecias que, da parte de Yahweh, recebiam. Eles começaram a predizer a vinda de um rei que descenderia de Davi, que seria o grande libertador do seu povo (Jeremias 23:5-6), sob cujo domínio haveria paz e harmonia (Isaías 11), cuja geração seria desde a eternidade (Miquéias 5:2-5) e que se sentaria sobre o trono de Davi para sempre (Isaias 9:6-7). A este, o grande libertador, já prometido desde tempos imemoriais e que os hebreus esperavam e cujos caracteres, progressivamente, iam sendo revelados pela palavra do seu Deus Yahweh, atribuíam os israelitas, por excelência, o título de messias que, assim, de ungido, passou a trazer subjacente, o significado e o valor de libertador (Daniel 9:25,26). Não apenas o libertador do povo israelita mas o libertador da raça humana caída (PINHEIRO, 1975, p.76).

Esta ideia progressiva do Messias está relacionada com restauração da nação de Israel, como libertador e também como pessoa e reino messiânico, a era messiânica e a terra messiânica, os sinais messiânicos e as pessoas messiânicas na história (MOLTMANN, 1990, p.2). Estes termos messiânicos aplicam-se a missão do Messias não ao seu ser

Em muitos textos do AT, a ênfase principal recai sobre as obras do Messias, e não sobre sua pessoa ou sobre seu ser. O messias completa sua obra messiânica libertando o povo de Deus, livrando-o de seus inimigos. Os outros títulos do Messias, especialmente Filho de Deus, também parecem referir-se, sobretudo, à sua obra, e não à essência do seu ser. Em suma, eles são funcionais e não ontológicos (SKAURSANE, 2004, p. 315).

No judaísmo, a esperança messiânica estava centralizada em torno de uma pessoa, embora também girasse em torno de certa condição nacional de Israel, que cumpriria os seus ideais e sonhos como nação. Portanto, por um lado, a esperança messiânica girava em torno do Messias, e, por outro lado, girava em torno de algo que pertencia à nação de Israel, quanto as suas futuras expectações. A esperança messiânica é a expectação de que haverá uma figura messiânica, que, finalmente, estabelecerá o seu reino messiânico.
A palavra messias deriva do hebraico mashia, equivalente ao grego christos, e significa “ungido” (PINHEIRO, 1975). Este Cristo, o ungido, é o Messias de Israel (MOLTMANN, 1990). Este termo é usada no Antigo Testamento para identificar uma pessoa em relação especial com Deus. O uso não técnico do termo é simplesmente designar ungido com óleo e com o Espírito Santo, mas especialmente um que tinha sido separado por Deus e habilitado para uma tarefa especial.
Este ungido é visto como

Visões messiânicas: messias como primogênito, como rei, como descendente de Davi, como profeta, como sacerdote, como renovo, como servo de Yahweh, como idêntico a Yahweh, como descendente da mulher e filho do homem (PINHEIRO, 1975, p.81 a 102).

A esperança messiânica é a expectação de que haverá uma figura messiânica, que, finalmente, estabelecerá o seu reino messiânico. O Antigo Testamento e as obras pseudepígrafas encerram em seu bojo essa antecipação. Ver Isaias 7:14 e Daniel 7, bem como a mensagem geral sobre os reinos deste mundo, de Daniel 9:24, Muitos dos salmos também são considerados messiânicos (Salmos 2 e 110). A teologia dos hebreus, após o exílio, aguardava a futura renovação de um imenso e exaltado reino de Israel, que haveria de emergir no reino de Deus, embora essa esperança não estivesse ligada claramente, com a figura messiânica. O trecho de Isaías 9:6 é uma das mais claras passagens vetero-testamentárias desse tipo, incluindo a ideia do Príncipe da paz que haveria de governar sentado no trono de Davi.
A ligação do termo "Messias", como aplicado a um rei ungido parece especialmente forte, e foi usado em um sentido profético da vinda governante Davídico. Ambos segundo Samuel e os Salmos se referem ao Rei Davi como o "ungido" (mashiach) cujos descendentes reinarão para sempre (2 Sam . 22:50-51, Sl . 18:50-51). Além disso, o conceito de um messias universal é visto em textos que dão para a casa de Davi domínio sobre as nações estrangeiras (2 Sam 22:44-51, Sl 18:44-51, Salmos 2:7-9 ) .
Nos escritos proféticos o conceito messiânico tem uma referência especial ao prometido governante davídico de Deus que vai restaurar Israel ao ideal divino (Isaías 09:07, Jeremias 23:5-6, Ezequiel 34:23-24; 37:25; Amós 9:11-12 ). Salmos 2 (vs. 2-6, 7-9) e 89 (vs. 3-4, 20-29) mostram um rei messias (ou "ungido"), que irá destruir os adversários gentios de Deus e como Seu representante reinará sobre as nações. O profeta Isaías pré-exílico também prevê um futuro Messias davídico que ferirá os inimigos do estado de Israel e fará justiça sobre as nações (Is 11:1-10).


CONTEXTO HISTÓRICO PARA A FORMAÇÃO DA VISÃO MESSIÂNICA DOS DISCÍPULOS NO PERÍODO INTERTESTAMENTÁRIO

Para compreender-se a visão dos discípulos de Emaús é necessário analisar o contexto histórico que antecedeu o período do ministério de Jesus, retrocedendo poucos séculos para trás.
O período que antecede o advento do Cristo conforme visão cristã é chamado de período intertestamentário, ou, período entre os dois testamentos.
A história do Antigo Testamento se encerrou com o cativeiro que a Assíria impôs ao reino do norte (Israel) por volta do século 8 a.C com destruição da capital, Samaria, em 722 a.C junto a isto o subsequente cativeiro babilônico do reino do sul (Judá) por volta do século 6 a.C com destruição de Jerusalém em 586 a.C. e com o regresso à Palestina de parte dos exilados para reconstruir a nação, o templo e Jerusalém, nos começos de 537 a.C e no ano de 444 a.C para reconstrução dos muros de Jerusalém sob liderança de Esdras e Neemias (PACKER, 2003).
Este período chamado de intertestamentário é o tempo que se inicia com o fim do Antigo Testamento até o momento que se inicia o Novo Testamento com o advento do Cristo. Em termos temporais, ele vai do século 4 a.C até século 1 d.C. O período entre os dois testamentos é conhecido como os quatro séculos que não existem registros de revelações proféticas consideradas canônicas, ou,  chamada também de “hiato profético” (GUNDRY, 1987) . O último escrito profético do Antigo Testamento é de Malaquias (PACKER, 2003).
Neste período de tempo, Israel voltava de seu cativeiro e reinicia sua busca de identidade e reconstrução como nação (BRIGHT, 1980). A questão é que sua busca de identidade e autonomia acabaram sendo influenciadas por potências militares, políticas e econômicas da época: os romanos e os gregos. Sendo influenciada também por insurreições internas em busca de liberdade conhecida por “Revolta dos Macabeus”.
A nação vivia sob jugo de exílio, até por volta do período do século quarto a.C. Deste tempo em diante a nação se acha em conflitos diferentes do que o exílio e falta de liberdade em si, mas precisa responder perguntas mais difíceis: como reerguer-se e existir com identidade de “povo de Deus”? Como não cair mais nos mesmos erros que levaram ao cativeiro? Como conciliar a falta de liberdade imposta pelos impérios dominantes com a consciência de deveres religiosos? Como resconstruir uma nação? (BRIGHT, 1978).
Neste tempo Israel busca alcançar resgatar sua identidade. Neste evento encontramos o surgimento do judaísmo. Israel via a si mesmo como uma comunidade visível que adoravam a Deus, participava de seu culto e confiava em suas promessas. A queda de Jerusalém trouxe um fim a tudo isto. Tendo as formas antigas desaparecido, Israel precisava encontrar algum elemento na sua herança em torno da qual reunir-se para sobreviver.
Seguindo a este momento a figura do messias, que seria a consumação dos desígnios divinos, se mistura com a figura de um libertador não sendo apresentado como um redentor manso e humilde (BRIGHT, 1978).
A busca de identidade acabou formando vários grupos do judaísmo, tais como os Macabeus, Saduceus, Fariseus, Zelotes e Essênios. Estes grupos não significavam uma divisão do Judaísmo em grupos apocalípticos, nacionalistas e legalistas, mas, uma divisão em maneiras de interpretar a lei, divisões dentro da estrutura da religião comum, porém, sem linhas nítidas e firmes. Não havia, porém, um consenso com respeito do que deveria ser Israel e qual direção tomaria o seu futuro.
Dentro do judaísmo, além do legalismo, havia também o conceito do Messias. Ele refere-se, principalmente, à profecia da vinda de um humano descendente do Rei David, que iria reconstruir a nação de Israel e restaurar o reino de David, trazendo desta forma a paz ao mundo. Ainda que a tradição religiosa judaico-cristã diga que o Messias já era uma profecia predita desde os tempos dos Patriarcas, este ensino veio a tomar forma após a destruição de Jerusalém. O retorno do Cativeiro aliado à eventos históricos como a história dos Macabeus serviu para desenvolver no povo judeu uma esperança na reconstrução da nação Judaica e do governo de um rei selecionado por Deus que submeteria todos os povos à legislação da Torá.
Os Macabeus lideraram Israel da dominação estrangeira. Infelizmente, porém, não demorou para que Roma pusesse fim à liberdade deles. Os judeus começaram a anelar por uma figura que renovasse e até mesmo ultrapassasse a glória trazida pelos Macabeus. Por isso o Messias foi assumindo dimensões cada vez maiores na mente da nação. Ele haveria de ser o Filho de Davi, inigualavelmente dotado, e que haveria de restaurar a nação de Israel, levando-a a ser a cabeça de um reino universal. Ele também será o Filho de Deus, o personagem celeste que traria aos judeus a salvação e seria o mediador de uma nova mensagem da parte de Deus.
Veio à tona a ideia da era áurea. O livro de Jubileus menciona, especificamente, os mil anos, e I Enoque refere-se a uma era áurea de trezentos anos. As expectações foram-se intensificando, à medida que a nação de Israel aproximou-se dos seus cinco mil anos do calendário da criação. As crenças populares afirmavam que seria então inaugurado o período do milênio. Esse período seria um tempo de justiça, paz, bênção e grandeza universal. Foi em meio dessas grandiosas expectações que nasceu Jesus, o Cristo.
Parece que o retorno a Judá depois do exílio e do restabelecimento da dinastia davídica quebrado pelo cativeiro babilônico (Zc 4:7-10), foram inicialmente consideradas não só uma restauração nacional (Ezequiel 36: 24; 37:12), mas como um prelúdio para o advento messiânico esperado que daria início a restauração espiritual (Malaquias 4:5-6; cf Ez. 36:25-27; 37:14) . No entanto, apesar dos esforços dos sacerdotes "ungidos" e profetas, bem como governantes estrangeiros "ungidos" que ajudaram o retorno e reconstrução (Ciro: Isaías 44:28-45:13; Esdras 1:1-11), a comunidade pós-exílio veio a perceber que os ideais proféticos de restauração não tinham sido cumpridas e que restauração espiritual e o prometido "Ungido" ainda estava no futuro.
Esta esperança messiânica veio a agravar-se com o Domínio Romano sobre a Judéia no primeiro século. As diversas ramificações judaicas pacíficas ou revolucionárias pretendiam obter sua independência do domínio romano e inspirados pelo ideal da independência acabaram por desenvolver ainda mais a crença no Messias libertador.
O fracasso da comunidade pós-exílico para experimentar restauração, juntamente com uma crescente deserção espiritual entre os líderes sacerdotais, exemplificada por Alexander Jannaeus (103-76 aC), adquirindo o título de rei, além de que de sumo sacerdote e da imposição de uma helenismo cultural, provocou o desejo sincero em partidos adversários (como os fariseus e da seita de Qumran) por um enviado de Deus ("ungido") Rei e Sacerdote para restaurar a ordem legítima (monarquia davídica e Zadokite sacerdócio).
Estimulados pelas condições religiosas e políticas opressivas, esta esperança messiânica durante o período intertestamentário expressou-se no final de Judaísmo do Segundo Templo através de um desenvolvimento do conceito profético da libertação messiânica na era escatológica. Literatura apocalíptica- apócrifa e pseudoepigrafa judaica desse período contêm referências explícitas ao Messias que vai aparecer no final da época para travar as guerras messiânicas, derrotar os adversários de Israel, restaurar a nação e sacerdócio, e pronunciar-se sobre uma escala universal.
Para compreendermos os conceitos messiânicos que permeavam o período de Cristo e poderiam ter influenciado os discípulos é imprescindível que não podemos desprezar o NT como fonte importante do messianismo judaico.
Considerando então o NT como fonte para tal compreensão, percebe-se que, como frisa Ellen White

O enfraquecido poder de Israel testemunhava que a vinda do Messias estava às portas. A profecia de Daniel pintava a glória do Seu reino sobre um domínio que sucederia a todos os impérios terrestres; e disse o profeta: "subsistirá para sempre". Dan. 2:44. Ao passo que poucos entendiam a natureza da missão de Cristo, era geral a expectativa de um poderoso príncipe que havia de estabelecer seu reino em Israel, e que viria como um libertador para as nações  (WHITE, 2010, p.34).

Vendo que havia a espera e o interesse no messias, Skarsaune diz que os judeus preocupavam-se apenas com o segundo advento messiânico, porque parecia com maior clareza nas profecias e era tido como mais digno do Messias. Eles ignoravam o primeiro advento proclamado pelos profetas, por causa da grande obscuridade das profecias, e pelo fato de ser tão indigno do Messias (FERGUNSON, 2003).
Além de ser um momento de expectativa messiânica havia uma diversidade de posições
As expectativas dos judeus em relação ao Messias, no tempo de Jesus, eram também muito nuançadas e, em certa medida, divergentes. Na verdade, temos várias indicações nas fontes existentes de que havia mais de um modelo de messias na relação de expectativas dos judeus. Eram vários os tipos de messias imaginados. Em Qumran, por exemplo, esperava-se um messias de Israel e um messias de Aarão. Encontramos nas fontes rabínicas outras duas espécies de messias, provavelmente calcadas em Gênesis 49 e deuteronômio 33, em que tanto Judá quanto José são chamados de líderes de seus irmãos. De modo análogo ao duplo reino posterior à época de Salomão, essa ideia volta com frequência aos textos rabínicos com os dois messias de Davi e Efraim: o primeiro, vitorioso, o segundo, morrendo no campo de batalha. É difícil saber ao certo se esse conceito já era bem conhecido nos dias do NT ou se foi desenvolvido mais tarde – por exemplo durante o século d.C. (SKARSAUNE, 2004, p. 314).

Existem várias tradições do messianismo no judaísmo, incluindo escritos rabínicos, os pergaminhos do Mar Morto e outros textos extra-bíblica e escritos exegéticos bíblicos internos. Nos escritos rabínicos são cerca de 450 passagens do Antigo Testamento separadas insinuando o Messias, um número um pouco inflacionados devido à exegese alegórica que marcou o judaísmo do primeiro século. Nos pergaminhos de Qumran, há uma diversidade de interpretações messiânicas e na tradição exegética bíblica interior encontramos referências internas a figuras e acontecimentos messiânicos. (EUGEN, 2002)
Os manuscritos de Qumran indicam uma maior diversidade de expectativas messiânicas do judaísmo em torno da volta da era. Não é encontrado nos textos de Qumran nenhuma evidência de uma exegese sistemática, uniforme do Antigo Testamento. Isso não quer dizer que não havia tradições fixas em tudo, ao contrário, indica a diversidade de abordagens para a expectativa messiânica e cumprimento escatológico. Isaías 11, por exemplo, é tratado como um texto messiânico, tanto em Qumran e fora dele Salmos de Salomão, e encontramos nestes pergaminhos várias referências a figuras messiânicas: (1) o escatológico Sumo Sacerdote, ou o messias de Aarão, que aparece em destaque; (2) o profeta escatológico; e (3) o Messias celestial ou "Filho do Homem". Há alguma indicação, por exemplo, na Regra da Comunidade , que o Messias foi compreendido , mesmo neste período, como filho de Deus: "Quando Deus gera o Messias entre eles” (IQS 2:11-12). (EUGEN , 2002)
Além das variadas posições, Ellen White indica que haviam também pessoas que aguardavam o messias segundo a tradição cristã

Havia entre os judeus ainda algumas almas firmes, descendentes daquela santa linhagem através da qual fora conservado o conhecimento de Deus. Estes acalentavam a esperança da promessa feita aos pais. Fortaleciam a fé repousando na certeza dada por intermédio de Moisés: "O Senhor vosso Deus vos suscitará um profeta dentre vossos irmãos, semelhante a mim: a Este ouvireis em tudo que vos disser." Atos 3:22. E novamente liam como o Senhor havia de ungir Alguém "para pregar boas novas aos mansos", "restaurar os contritos de coração", "proclamar liberdade aos cativos", e apregoar "o ano aceitável do Senhor". Isa. 61:1 e 2. Liam como Ele havia de estabelecer "a justiça sobre a Terra", como as ilhas aguardariam a "Sua doutrina", (Isa. 42:4) como os gentios andariam à Sua luz, e os reis ao resplendor que Lhe nascera. Isa. 60:3. As derradeiras palavras de Jacó os enchiam de esperança: "O cetro não se arredará de Judá, nem o legislador dentre seus pés, até que venha Siló." Gên. 49:10 (WHITE, 2010, P. 34).

CONCLUSÂO: PORQUE OS DISCÍPULOS VIAM JESUS DAQUELA FORMA?

A questão então do desapontamento dos discípulos já pode ser melhor compreendida. A partir dos raciocínios anteriores, percebe-se que a era messiânica e a restauração de todas as coisas em Israel era uma linha de pensamento corrente na época do ministério de Jesus. O ponto é, os discípulos esperavam algo de temporal de Jesus

 O messias será aquele que reinará durante o que chamamos de era messiânica, não há outra definição possível. Portanto, o critério básico de avaliação do messias será dado por uma pergunta simples: Ele trouxa consigo a era messiânica? Toda e qualquer referência ao Messias só faz sentido no contexto dessa pergunta. O que diz a bíblia sobre a era messiânica? Eis uma breve descrição feita por um renomado especialista cristão: “A retomada da independência e do poder, uma era de paz e de prosperidade, de fidelidade a Deus e à sua lei, de justiça e equidade, de amor fraternal entre os homens e de retidão e piedade pessoais”. Se pensarmos um pouco nessa frase à luz da história dos últimos dois mil anos, veremos que são muitos e enormes obstáculos que se colocam à missão messiânica de Jesus. Se Jesus era o Messias, por que o mal e o sofrimento continuaram a existir e até mesmo recrudesceram nos muitos séculos desde a sua morte (SKARSAUNE, 2004, p.312)?

Por este prisma, este mesmo autor ressalta que, em certo sentido, a primeira vinda de Jesus não foi messiânica no sentido rigoroso da palavra porque a obra messiânica era definida com base em profecias que fazem referência a restauração das coisas externas tais como paz, justiça, restauração.  Desta forma é a segunda vinda, e não a primeira, que devemos caracterizar como messiânica.
Foi mostrado na introdução deste artigo que quando Jesus se apresentou aos discípulos ele fez uma repreensão à decepção deles acerca daquele em quem esperavam ser o restaurador presente de todas as coisas.
Fica evidente pelo testemunho do NT e da história que o Reino é entendido como algo ainda futuro, e que a passagem do Messias pelo sofrimento e pela morte é considerada uma espécie de preparação necessária para o estabelecimento do reino, coisa que os discípulos não conseguiam aprender ou assimilar. 
Concluindo, assume-se que os discípulos apenas refletiam sua época em que a nação além da confiança em Deus, esperava se reestabelecer conforme predições do AT, porém, predições estas que devem ser aplicadas à consumação das coisas. Foi tudo uma questão de compreensão certa para o momento errado.


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REFERÊNCIAS

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 Salvo indicação contrária, todas as referências bíblicas neste texto são da:
SOCIEDADE BÍBLICA DO BRASIL. A Bíblia Sagrada. Revista e Atualizada no Brasil. 2° ed. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.

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