INTRODUÇÃO
Este presente artigo buscará
discorrer de forma não exaustiva sobre a compreensão da obra de Jesus na igreja
primitiva e no pensamento de Paulo. Ele abarcará o tema mais amplo da
cristologia focando na compreensão da comunidade primitiva cristã e paulina
acerca da visão que tinham da obra messiânica. Em outras palavras, basicamente
será responder como era visto o messias pela igreja e por Paulo.
Para tanto, será definido o
que são profecias messiânicas, a visão messiânica no cristianismo primitivo e
junto a isto, a visão de Paulo acerca do messias. Será usado o método de
análise literária.
O QUE SÃO PROFECIAS MESSIÂNICAS
Conforme observa Moltmann o
messianismo é a ideia mais profunda e original no Judaísmo. É a ideia que
Israel deu ao mundo. Não é uma ideia junto as outras, na verdade, toda a porção
do Antigo Testamento como um todo é uma contínua e crescente expectação (MOLTMANN,
1990). Esta expectação segundo Ellen White, vem desde o Éden quando Adão e Eva
ouviram a promessa de Deus de que viria um libertador, seguiu por Enoque, aos
patriarcas, profetas (WHITE,
2010). Pinheiro ressalta que os profetas tiveram papel crucial na formação do
pensamento messiânico trazendo mensagens diretamente de Deus para o povo. Diz
que
Os profetas continuaram a fazer ouvir
a sua voz e a anunciar as profecias que, da parte de Yahweh, recebiam. Eles
começaram a predizer a vinda de um rei que descenderia de Davi, que seria o
grande libertador do seu povo (Jeremias 23:5-6), sob cujo domínio haveria paz e
harmonia (Isaías 11), cuja geração seria desde a eternidade (Miquéias 5:2-5) e
que se sentaria sobre o trono de Davi para sempre (Isaias 9:6-7). A este, o
grande libertador, já prometido desde tempos imemoriais e que os hebreus
esperavam e cujos caracteres, progressivamente, iam sendo revelados pela
palavra do seu Deus Yahweh, atribuíam os israelitas, por excelência, o título
de messias que, assim, de ungido, passou a trazer subjacente, o significado e o
valor de libertador (Daniel 9:25,26). Não apenas o libertador do povo israelita,
mas o libertador da raça humana caída (PINHEIRO, 1975, p.76).
Esta ideia progressiva do
Messias está relacionada com restauração da nação de Israel, como libertador e
também como pessoa e reino messiânico, a era messiânica e a terra messiânica,
os sinais messiânicos e as pessoas messiânicas na história (MOLTMANN, 1990).
Estes termos messiânicos aplicam-se a missão do Messias não ao seu ser pois em
muitos textos do AT, a ênfase principal recai sobre as obras do Messias, e não
sobre sua pessoa ou sobre seu ser. O messias completa sua obra messiânica
libertando o povo de Deus, livrando-o de seus inimigos. Os outros títulos do
Messias, especialmente Filho de Deus, também parecem referir-se, sobretudo, à
sua obra, e não à essência do seu ser. Em suma, eles são funcionais e não
ontológicos (SKAURSANE, 2004).
No
judaísmo, a esperança messiânica estava centralizada em torno de uma pessoa,
embora também girasse em torno de certa condição nacional de Israel, que
cumpriria os seus ideais e sonhos como nação. Portanto, por um lado, a
esperança messiânica girava em torno do Messias, e, por outro lado, girava em
torno de algo que pertencia à nação de Israel, quanto as suas futuras
expectações. A esperança messiânica é a expectação de que haverá uma figura
messiânica, que, finalmente, estabelecerá o seu reino messiânico.
A palavra messias deriva do
hebraico mashia, equivalente ao grego
christos, e significa “ungido”
(PINHEIRO, 1975). Este Cristo, o ungido, é o Messias de Israel (MOLTMANN, 1990).
Este termo é
usado no Antigo Testamento para identificar uma pessoa em relação especial com
Deus. O uso não técnico do termo é simplesmente designar ungido com óleo e com
o Espírito Santo, mas especialmente um que tinha sido separado por Deus e
habilitado para uma tarefa especial.
A
esperança messiânica é a expectação de que haverá uma figura messiânica, que, finalmente,
estabelecerá o seu reino messiânico. O Antigo Testamento e as obras pseudepígrafas
encerram em seu bojo essa antecipação. Muitos dos salmos também são
considerados messiânicos. A teologia dos hebreus, após o exílio, aguardava a
futura renovação de um imenso e exaltado reino de Israel, que haveria de emergir
no reino de Deus, embora essa esperança não estivesse ligada claramente, com a
figura messiânica. O trecho de Isaías 9:6 é uma das mais claras passagens
vetero-testamentárias desse tipo, incluindo a ideia do “príncipe da paz” que
haveria de governar sentado no trono de Davi.
A ligação do termo "Messias", como
aplicado a um rei ungido parece especialmente forte, e foi usado em um sentido
profético da vinda governante Davídico. Ambos segundo Samuel e os Salmos se
referem ao Rei Davi como o "ungido" (mashiach) cujos descendentes reinarão
para sempre (2 Sam . 22:50-51, Sl . 18:50-51). Além disso, o conceito de um
messias universal é visto em textos que dão para a casa de Davi domínio sobre
as nações estrangeiras (2 Sam 22:44-51, Sl 18:44-51, Salmos 2:7-9 ) . Nos
escritos proféticos o conceito messiânico tem uma referência especial ao
prometido governante davídico de Deus que vai restaurar Israel ao ideal divino
(Isaías 09:07, Jeremias 23:5-6, Ezequiel 34:23-24; 37:25; Amós 9:11-12 ).
Salmos 2 (vs. 2-6, 7-9) e 89 (vs. 3-4, 20-29) mostram um rei messias (ou "ungido"),
que irá destruir os adversários gentios de Deus e como Seu representante
reinará sobre as nações.
VISÃO DA IGREJA PRIMITIVA DO MESSIAS
Embora o messiado que Jesus
veio exercer foi de um caráter bem diferente daquilo que o termo sugeria à
mentalidade popular, a igreja parece que havia corrigido a visão distorcida que
o judaísmo havia difundido acerca da ideia de um messias que os “livraria de
Roma”, para um messias que os “livraria do pecado”.
A melhor fonte de estudo
para o cristianismo primitivo são os evangelhos. Lá se encontram os registros
do ministério de Cristo sobre a Terra a partir de diferentes pontos de vista.
Interessante notar que, Mateus salienta a atividade do reinado de Cristo como
Messias prometido que cumpriu as promessas de Velho Testamento, por isso, faz
constante uso da frase: “isto aconteceu para se cumprisse o que foi dito pelos
profetas”. Marcos, que escreveu tendo em mente os romanos, destacou o lado
prático do ministério de Cristo, o sentido de ação e poder é fortalecido pelo
uso constante que faz da palavra grega geralmente traduzida como
“imediatamente”. Lucas, o historiador, reporta-nos o lado humano do ministério
de Cristo. João apresenta Cristo como o Filho de Deus com poder de levar benção
a todos quantos O aceitassem pela fé (CAIRNS, 1995).
Esta nova comunidade dos
cristãos, do ponto de vista externo, diferentemente dos judeus que tinham
expectação por um messias diferente de Jesus, não parecia nada mais do que uma
nova sinagoga judaica, que reconhecia Jesus como o Messias. Os elementos “cristãos”
da comunidade são evidentes, o primeiro dos quais é o “ensinamento dos
apóstolos”. Esse incluía o significado da vida, da morte e da exaltação de
Jesus, sua entronização como o Rei messiânico e Senhor, inaugurando a era
messiânica de benção e a futura consumação teológica. Este era o cerne, a
partir do qual mais tarde os escritos do NT tomaram forma (LADD, 2003).
Com isto Ladd observa que os
apóstolos eram os responsáveis pelo ensinamento na igreja primitiva (At 2:42),
e que os documentos do Novo Testamento podem ser compreendidos como um produto
final do testemunho dos apóstolos no que diz respeito ao evento redentor de
Cristo (LADD, 2003). Se a visão dos discípulos acerca de Cristo era esta,
difícil seria que a visão da igreja primitiva fosse diferente dos seus
ensinadores.
Naquilo que se sabe da
igreja primitiva, a chamada ekklesia, ela apenas recebia em sua comunhão
todos os que aceitassem a proclamação de Jesus como o Messias, se arrependessem
e recebessem o batismo nas águas. Ladd observa que, a prática da igreja era se
reunir, ouvir os ensinamentos dos apóstolos e aceitar Jesus como o Messias.
VISÃO PAULINA ACERCA DO MESSIAS
Da visão daqueles que eram
os formadores de opinião e instrutores do cristianismo primitivo, a mais
notável interpretação do significado da pessoa e do trabalho de Jesus no Novo
Testamento é a de Paulo, um fariseu convertido (LADD, 2003). Parece que Paulo
estava preparado como teólogo judeu para pensar sob a orientação do Espírito Santo,
nas implicações do fato de que o Jesus de Nazaré crucificado era de fato o
Messias e o Filho de Deus ressurreto, que fora levado ao céu.
Para Paulo, Cristo se tornou mais ou menos equivalente a um nome
próprio em suas cartas. Christos (Cristo), naturalmente, é simplesmente
a palavra grega para o hebraico Mashiah (Messias), com isto, toda vez
que lemos Cristo, deve ser lido Messias. Isso significa que no tempo em que
Paulo escrevia, a afirmação cristã segundo a qual Jesus era messias não era
mais controversa. Paulo não tinha mais necessidade de argumentar que Jesus era
de fato o messias davídico de Israel esperado há muito tempo (DUNN, 2003). Por
esta razão que Paulo não sentiu necessidade de instruir seus convertidos sobre
como enfrentar quaisquer dificuldades na parte das sinagogas locais a respeito
deste assunto
Ao extrair a teologia de Paulo das suas cartas, devemos sempre ter
em mente dois fatores qualificantes importantes. Um é a probabilidade de que
Paulo já tinha muita coisa em comum com os destinatários das suas cartas, neste
caso informações e ensinamentos sobre Jesus. (...) O outro fator é que Paulo
não tentara reinventar a roda cada vez que escrevia. Em outras palavras, ele
não pensava em cobrir todos os aspectos da sua teologia toda vez que ditava
outra carta. Pelo contrário, como as próprias cartas deixam bem claro, elas
eram documentos ocasionais (inclusive romanos) (DUNN, 2003, p. 231).
As alusões de Paulo a Cristo sugerem que o termo não tinha perdido
o seu significado titular para Paulo. As referências feitas por ele sugerem que
o papel de Messias lembrado por Paulo no seu uso de “Cristo” incluía o
ministério de Jesus antes da cruz, como também o de “cristo crucificado”. Visão
esta igual ao dos outros apóstolos.
A questão é que Paulo não convivera com os outros apóstolos, e
não conhecera a Jesus antes da sua crucifixão; conheceu-o primeiro como Senhor
ressurreto (BRUCE, 2003). Era inevitável que sua perspectiva do “Jesus
histórico” fosse diferente dos discípulos originais pois ele carregava a
herança do judaísmo, considerando a Jesus com aqueles conceitos das quais vimos
anteriormente. Saulo, o judeu, partilhava a esperança judia da vinda do messias,
de uma forma ou de outra, para destruir seus inimigos, redimir Israel e
estabelecer o Reino de Deus; pois essa esperança que remonta aos profetas do
Antigo Testamento (LADD, 2003).
O evento que o fez mudar do
conceito popular para o conceito correto foi a aparição de Jesus que provou a
Paulo que a proclamação cristã estava correta. Desta forma, ele compreendeu que
Jesus havia ressuscitado dentre os mortos e que ele, portanto, tinha de ser o
Messias, e não apenas o Messias mas também o Filho de Deus (At 9:20). A
conclusão de que Jesus era o Messias prometido no Antigo Testamento exigiu que
Paulo fizesse uma revisão sobre seu entendimento da história da redenção.
Chegar a conclusão de que
Jesus era realmente o Messias, era algo demasiadamente revolucionário para a
avaliação de Saulo em relação a todo o significado da Lei, pois foi o seu zelo
peloa lei que o fizera odiar os cristãos e o seu Messias. Devido à sua
experiência no caminho de Damasco, Paulo via, agora, as coisas de modo
diferente. Ele agora sabia que Jesus é o Messias, o Filho de Deus, que
inaugurou uma nova era. Foi em damasco que Paulo separou-se do judaísmo com a
avaliação de Jesus de Nazaré como o Messias e todas as implicações pertinentes
a esse fato.
Para Paulo, o Messias deu
início ao seu reino com a ressurreição e com a dádiva escatológica do Espírito que
foi derramada. Contudo, a segunda vinda do Messias, a ressurreição e a salvação
escatológica permanecem objetos da esperança futura.
CONCLUSÃO
Concluímos que, as
expectativas e esperanças messiânicas que vinham do povo judeu, foram
entendidas pela comunidade cristã primitiva como tendo cumprimento da obra de
Jesus, conforme os ensinamentos dos apóstolos e conforme as práticas cristãs de
ingresso de novos conversos que estão registradas no Novo Testamento.
A visão Paulina foi alterada
de seu farisaísmo perseguidor da seita do caminho para um fiel colaborador da
causa aos gentios. Sua compreensão de Cristo como sendo o messias o fez
entender que Cristo era o fim da lei e o caminho para a justiça. Fatos estes
que alteraram completamente sua conduta. Porém, não necessariamente ele
sentia-se em obrigação de explicar a obra do messias, pois, como vimos, já era
fato amplamente aceito e conhecido na comunidade cristã. Ele se preocupou mais
em ensinar as implicações e significados de Jesus ser o Cristo.
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REFERÊNCIAS
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F. Paulo: o apóstolo da graça,
sua vida, cartas e teologia. São
Paulo: Shedd Publicações, 2003.
CAIRNS,
E. E. O cristianismo através
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ed. São Paulo: Vida Nova, 1995.
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James. A teologia do apóstolo
Paulo. São Paulo: Paulus, 2003.
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KLAUSNER, Joseph. The
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LADD, G.
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MOLTMANN, Jurgen. The
Way of Jesus Christ: christology in messianic dimensions. 1. ed. Estados Unidos da América:
Harper San Francisco, 1990. ISBN 0-06-065910-6.
PINHEIRO,
Jorge. O Messianismo. 2. ed. Lisboa - Portugal: Editora dos
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SKARSAUNE,
Oskar. À sombra do templo: as
influências do judaísmo no cristianismo primitivo. São Paulo: Editora Vida, 2004.
WHITE,
Ellen. O desejado de todas as
nações. Tatuí, SP: Casa
Publicadora Brasileira: 2010.
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